Sobre o que falam as letras das músicas que cantamos?
Temos presenciado um enorme crescimento na difusão da música tida como cristã e, comparando-se o momento atual com tempos passados, podemos ver o quanto a música praticada nas igrejas e/ou a partir delas tem-se tornado cada vez mais conhecida, até mesmo no meio secular. Há cantores e bandas de rock, pop, reggae, samba, pagode, forró, enfim, de tudo quanto é estilo musical. Tem pra todos os gostos. E esta diversidade é, ao meu ver, algo extremamente positivo. Inclusive acredito que, de modo geral, a chamada música cristã deveria, sim, ser muito mais diversificada e se utilizar das mais diferentes facetas que nossa cultura apresenta.
Entretanto, algo tem chamado minha atenção muito mais do que estilos, batidas e ritmos: a letra das músicas. Isso porque, além de enxergar, em muitos casos, uma série de equívocos teológicos em tais letras (deixo claro que não é meu objetivo entrar a fundo em debates teológicos), percebo uma homogeneização um tanto desnecessária, mas que, em muitas ocasiões, é intencional e, principalmente, ao meu ver, equivocada. Refiro-me às temáticas abordadas nas letras de cada música e convido vocês a, junto comigo, refletir um pouco sobre isso.
Em primeiro lugar, não posso deixar de dizer que me incomoda um pouco essa necessidade latente (e latejante hehe) de se manter o foco no Antigo Testamento. É tanta música falando de muralha, de mar, de fogo, de arca, e tão poucas que falem de cruz. Há tão poucas canções que falem da justificação pela fé ou do sangue da nova aliança. Há uma quantidade menor de canções que falem que é também necessário que nós carreguemos a cruz e bem menos ainda que falem da Graça. E, quando me refiro à Graça, tenciono chamar nossa vista ao fato de que recebemos o favor imerecido de Deus (isso que é Graça), pois somos pecadores e nada merecíamos e jamais mereceremos. Mas, ao contrário, é gente decretando, ordenando, reivindicando, declarando e pedindo restituição, como se Deus nos devesse algo. Sinto muita falta de canções que digam o que disse Lutero: “A nossa força nada faz. Estamos, sim, perdidos. Mas nosso Deus socorro traz e somos protegidos”. E ainda: “Se temos de perder família, bens, poder, embora a vida vá, por nós Jesus está. E nos dará Seu Reino.” Ou, por que não cantar o que dizem nossos irmãos do Oficina G3: “Mas é tempo de abrir os olhos. Não temos pra onde correr. E entender que, sem o Pai, não somos nada é o primeiro passo rumo à vitória.”
Não posso deixar de dizer que sou um apaixonado pelo Antigo Testamento. Sim. Tanto é que sempre preferi dar aulas de Antigo do que de Novo Testamento na Escola Bíblica. Mas amo o AT como amo toda a Escritura. E, além disso, o amo por entender que era apenas “a sombra do que estava por vir” (Hebreus 10:1), já que Deus, nos últimos dias, nos falou por Seu Filho, Jesus (Hebreus 1:1). Precisamos de mais músicas que falem, sim, da Nova Aliança, por meio do sangue do Cordeiro. E, não! Não precisamos de canções que reivindiquem cumprimentos de promessas e alianças que Deus não fez conosco, mas com os descendentes físicos de Abraão (ver Gênesis 12, 15 e 17). A eles pertence isso tudo, e não a nós (ver Romanos 9, 10 e 11). Mas tem sido uma enorme tendência de alguns movimentos eclesiásticos de nosso tempo essa super valorização do Antigo Testamento e tudo isso porque se quer ver os milagres do Antigo Testamento repetidos hoje. E, antes que seja acusado de ceticismo, não duvido que Deus opere milagres. Apenas entendo que Ele pode não querer realizá-los e que Sua vontade é que é sempre boa, perfeita e agradável (Romanos 12:2), e não a nossa (Romanos 3:10). E eu também enxergo os milagres de maneira diferente. Quer milagre maior do vidas transformadas? Quer milagre maior do que alguém sujo, impuro e injusto, longe de Deus, que merecia apenas a ira e o inferno, ter sido lavado, remido, redimido e justificado por meio da fé em Jesus?! Acho que poderíamos cantar um pouco mais sobre isso.
Meu objetivo ao dizer tais palavras é apenas chamar nossa atenção ao fato de que, enquanto responsáveis pela escolha do que é cantado em nossas igrejas, precisamos ser um pouco mais diversificados. Precisamos estar atentos às diferentes temáticas que podem (e devem) ser abordadas nos “cânticos espirituais” de que Paulo fala em Efésios 5:19. E foi isso que motivou esse post. Não dá pra cantarmos apenas que Deus vai abrir a porta ou que Ele proverá ou que o mar vai se abrir e etc. Também não dá pra só cantar música sobre bênção o tempo todo, né? Mas não se assustem. Não estou dizendo que necessariamente está errado cantar isso. Estou apenas dizendo que há outras razões pelas quais devamos erguer nossas vozes e apresentar nossa música ao Senhor e há diferentes momentos de vida e até de liturgia de culto mesmo em que diferentes músicas se tornam (ou não) apropriadas.
Temáticas das músicas cantadas
Há certo tempo, escrevi sobre repertório e forneci algumas dicas sobre como elaborá-lo. Deixei, todavia, uma lacuna no que diz respeito às tais temáticas das canções. E isso porque sabia que tomaria um tempo maior e um número também maior de palavras seria necessário. Sendo assim, quero convidar vocês a refletir sobre o assunto.
Reiterando novamente que meu foco agora não é o de estilos musicais (mesmo que, inevitavelmente, eles acabem entrando na discussão), e sim a letra daquilo que é cantado, penso ser de extrema importância a atenção aos diferentes temas cantados. Costumo classificar nossas músicas nas seguintes categorias: canções de celebração; canções didáticas; canções evangelísticas; canções de provisão; canções de exaltação e canções do santo dos santos. Vou explicar brevemente cada uma delas.
1. Músicas de Celebração
As músicas de celebração seriam aquelas predominantemente alegres e festivas; são, na maioria das vezes, as chamadas "músicas rápidas". São muito usadas, por exemplo, em momentos de abertura ou em momentos mais alegres. As letras são, geralmente, voltadas ao agradecimento ou à adoração direta e não possuem letras tão profundas. São canções de festa. Como exemplo, posso citar uma canção beeem antiga, "Celebrai a Cristo", do Ministério Koinonya: "Celebrai a Cristo, celebrai (...). Ressuscitoooou (...)."
2. Músicas Didáticas
As músicas didáticas, por sua vez, trazem consigo um caráter educador. É como se, ao cantá-las, estivéssemos ensinando algo. Músicas desta categoria podem até contar uma história ou algo parecido com que se estivesse contando. São músicas que falam, por exemplo, de toda a trajetória messiânica de Cristo, como Deus opera ou dos milagres de Jesus, dentre outras coisas. Nesta categoria podemos citar "Deus de Milagres" e "Quem É Deus como O Nosso Deus" (Diante do Trono), "Como Ele nos Amou" e "Vimos Adorar" (Kleber Lucas), "Seu Sangue" (Fernandinho), dentre outras. São canções que têm um grande caráter didático.
3. Músicas Evangelísticas
As evangelísticas, como o próprio nome já diz, têm como objetivo evangelizar. Exemplificando, podemos nos lembrar de "Chame a Deus" (Catedral) e "Infinitamente Mais" (Novo Som). Vale salientar que, muitas vezes, uma canção evangelística pode também se encaixar no perfil das didáticas, dependendo do caso. O que importa é que, mesmo que não diretamente apontadas aos que não conhecem a Cristo, estas canções forneçam “material suficiente” pra que alguém que, por exemplo, nunca esteve num culto ou numa reunião qualquer de igreja, possa entender o que se está dizendo. E que se diga que só Jesus salva e que, sem Ele, nada podemos.
4. Músicas de Provisão
Para entender as músicas de provisão, basta olhar para boa parte das músicas do Ministério Trazendo a Arca e/ou do cantor Davi Sacer (ex-integrante do ministério). É uma temática bastante presente no repertório deles. As músicas "Deus de Promessas", "Sobre As Águas", ambas do ministério, e "Deus Não Falhará" e "Confio em Ti", ambas do cantor, são fortes exemplos. Mas há muitas outras, como: "Rompendo em Fé" (Comunidade Internacional da Zona Sul) e "Vou Crer" (André Valadão). Elas falam da provisão de Deus para com o Seu povo.
5. Músicas de Arrependimento
Quanto às músicas de arrependimento, também não há muito o que ser dito. Vamos logo aos exemplos: as conhecidas "Vaso Novo" e "Renova-me", além de "Correndo Pros Teus Braços" (Trazendo A Arca) e muitas outras. Elas, ao meu ver, são canções que devem ser cantadas nos momentos em que se quer evocar este arrependimento. Também não dá pra ficar cantando esse tipo de música o tempo todo, né? Se você não está num momento em que precise se arrepender, naturalmente sentirá vontade de dizer algo diferente ao Senhor. É como nas orações. Quando pecamos, pedimos perdão (pelo menos é isso que se espera de nós, né? Rsrs), mas quando estamos feliz, agradecemos, exultamos e damos graças ao Senhor. Ao meu ver, as músicas nada mais são do que orações cantadas.
6. Músicas de Contrição
As músicas de contrição enfatizam bastante a humilhação do cristão diante de Deus. Elas servem para dizer que somos nada diante do Senhor e, por isso, nos submetemos totalmente a Ele e à Sua vontade. "Sonda-me, Usa-me" (Aline Barros) pode ser um bom exemplo. Em alguns casos, até podemos encontrar músicas que são de arrependimento e de contrição ao mesmo tempo, mas podemos também encontrar muitas outras que possuem as temáticas abordadas separadamente.
7. Músicas de Exaltação
Ainda precisamos falar das músicas de exaltação. Estas também têm uma denominação autoexplicativa. O objetivo principal desse tipo de letra é exaltar a Jesus. E quero dizer exaltá-Lo de maneira direta. Não falo da exaltação e adoração que devemos entregar a Ele o tempo inteiro, comendo, bebendo ou fazendo qualquer coisa para a glória de Deus, conforme ensina 1 Co 10:31. Devemos fazer isso sim, é claro, mas falo de orações que digam de modo direto e objetivo: “Senhor, Tu És Grande. Tu És Santo! Não há outro como Tu. Tu És Maravilhoso e Tremendo, dentre outras palavras de exaltação a Cristo. "Senhor e Rei" (Trazendo A Arca), "Ao Único" (Koinonya), "Digno É O Senhor" (Aline Barros) e "Mais que Uma Voz" (interpretada por Kleber Lucas) podem ser tidas como ótimos exemplos.
8. Músicas do Santo dos Santos
Por fim, apresento as músicas que chamo de "músicas do santo dos santos". Vale lembrar que o santo dos santos era o lugar do Tabernáculo (e, mais tarde, do templo) do Antigo Testamento de maior intimidade com Deus. Era nele que ficava a arca da aliança e era nele que apenas o sumo sacerdote podia entrar. Era sobre a arca que a glória de Deus repousava e todo o restante do povo devia adorar do lado de fora, para não ser consumido pela glória de Deus. O livro de Hebreus, contudo, nos ensina que Cristo veio para ser o nosso Sumo Sacerdote e, por meio de Seu sangue, nós temos acesso total ao santo dos santos! Nós temos total acesso à total intimidade com Deus, pelo novo e vivo caminho, pois o véu do templo se rasgou! Aleluia!!! Devo confessar que gostei muito dessa nomenclatura, mas não posso tomar o crédito por ela. Ouvi alguém se referir a tal tipo de músicas como “músicas do santo dos santos”, pela primeira vez, no ano de 2007. E foi a irmã Ângela Valadão, tia da famosa Ana Paula Valadão que me apresentou esta forma de denominar este tipo de músicas.
Estas músicas, portanto, são aquelas que denotam maior intimidade com o Senhor. Elas são aquelas músicas sobre as quais chegamos a quase pensar que são e/ou serão, com certeza, entoadas no céu. hehe São canções que enxergamos no livro de Apocalipse, como “Ao que está assentado” ou “Agnus Dei” (Michael W. Smith). São músicas que podem até não ter uma letra muito grande, mas, ao contrário, de forma breve e curta até, dizem que o Senhor é Santo. Ele é Santo. São músicas que representam bem os anjos do livro de Apocalipse que cantavam dia e noite: “Santo, Santo, Santo” é o Senhor, o Todo-Poderoso. Aquele que era, que é e que há de vir.” A música “Santo” (Nívea Soares) também pode ser um bom exemplo dessa categoria de músicas, juntamente com “Louvor ao Rei” (Comunidade da Vila da Penha).
Conclusões
Percebem como há muito mais coisas sobre o que podemos cantar? E é bem capaz de haver muitas outras categorias que não me vieram à mente ou até mesmo subcategorias, enfim, há muito mais que pode (e deve) ser cantado por nós todos em nossas igrejas.
Encerro dizendo que acredito totalmente que o equilíbrio entre estas categorias fará com que o repertório do qual fazem parte atenda às mais diferentes necessidades da prática musical eclesiástica e, principalmente, evitará que tenhamos um “momento de louvor” manco e/ou pendendo pra um lado apenas. Quando quisermos celebrar, celebraremos. Quando quisermos agradecer, agradeceremos. Mas, quando tivermos pecado, nos arrependeremos e nos quebrantaremos diante do Senhor. Nos entregaremos também a Ele, sujeitos à sua vontade, exaltando o Seu nome que é Grande. E, por fim, estaremos em total intimidade como Ele, como se estivéssemos diante da glória de Deus no santo dos santos, com toda a reverência e santo temor, prostrados diante do trono da glória do Pai.
Espero, portanto, que este post possa nos levar a uma reflexão sobre o que tem sido cantado nas nossas igrejas. Espero também que vocês possam ser instrumentos de bênção em cada comunidade que atuam, estimulando os irmãos a entoarem diferentes canções ao Senhor, de acordo com a necessidade e com aquilo que vivenciam, de modo que, parafraseando João Alexandre (em sua música intitulada “Viver e Cantar”), todos possamos cantar o que vivemos e viver o que cantamos. Ao Rei dos reis toda a honra, glória e louvor para todo o sempre! Amém!
Abraços a todos!
Em Cristo,
M. Vinicius (Montanha)
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