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MÚSICA NÃO É DOM


Introdução

Ao longo de toda a minha vida, tenho ouvido um bocado sobre a prática musical como um dom sublime e divino. Tenho certeza também de que todo mundo já ouviu alguém falar de determinada pessoa que tem "o dom da música". E esta tem sido uma concepção bastante presente em todos os contextos e, por conseguinte, no contexto da igreja.

A muitos irmãos e irmãs em Cristo tem sido atribuído o "dom da música". E estes têm sido constantemente apontados como seres especiais e especialmente capacitados por Deus para a prática musical eclesiástica. Por outro lado, outros também irmãos e irmãs em Cristo têm sido afastados e rejeitados (a palavra é forte, mas é verdade) por igrejas e seus grupos musicais por se dizer deles que não têm o "dom". É "dom" pra cá e "dom" pra lá, mas me preocupo com a seguinte questão: será que as pessoas sabem mesmo o que é "dom"? 

Pensando nisso, resolvi escrever sobre esse assunto e deixar registrado algo que, na verdade, tenho dito há muuuuito tempo em minha prática musical eclesiástica. Aqueles que trabalham comigo já me ouviram falar sobre o assunto uma centena de vezes, mas faço questão de, neste momento, clarificar o que penso e as razões pelas quais penso assim. Contudo, acredito ser preciso, primeiramente, compreender o que se entende por dom e, por isso, me utilizarei de duas concepções sobre o termo: a concepção bíblica e a concepção do linguajar popular. Tratarei de ambas e mostrarei porque, mesmo nas duas concepções, afirmo que música não é dom.


O "dom" nas Escrituras

Em primeiro lugar, precisamos entender como a palavra "dom" é usada nas Escrituras. São dois os termos gregos (língua em que foi escrito o Novo Testamento) utilizados. Um deles é doron e significa, literalmente, "presente" ou "dádiva". Pode até representar presentes e/ou sacrifícios oferecidos a Deus (STRONG, 2002, p. 1346). O outro vocábulo, usado para se referir aos dons espirituais, por exemplo, listados em 1 Coríntios, capítulos 12, 13 e 14, é charisma, que tem origem atrelada ao termo charis, geralmente traduzido como "graça". Logo, o vocábulo charisma significa "dom da graça divina" ou "favor que alguém recebe sem mérito próprio" (STRONG, 2002, p. 1815). Ainda segundo Strong, pode também significar "dons que denotam poderes extraordinários, que distinguem certos cristãos e os capacitam a servir à igreja de Cristo". (STRONG, 2002, p. 1815). A partir disso, podemos ver que os dons, na concepção bíblica, são, sim, capacitações especiais, dadas pelo Espírito Santo. Alguém pode, então, dizer: "Sempre soube disso!" ou "Sempre achei isso!". rs Bom, tudo bem. O grande problema, contudo, consiste em dizer que a música é um desses dons. Séeééério? É absurdo?? Sim, é!

Se observarmos as listas de dons apresentadas na Escritura, em nenhum momento veremos a música listada como um deles. Não acredita? Veja, então, as listas de dons: Efésios 4:6-12; 1 Coríntios 12:7-11; 1 Coríntios 12:28; Romanos 12:5-8. E, observando estas listas, perceba que todos os dons são tratados como capacitações dadas pelo Espírito para a edificação da própria igreja, o corpo de Cristo. E perceba também os dons que são listados. O que passar disso, pode ser qualquer outra coisa, mas, na visão bíblica, NÃO É DOM! E é por isso que não gosto muito daquilo que é apresentado por alguns cursos e ou métodos de estudo de dons e coisa e tal, quando apresentam dons extra-bíblicos, como: dom de comunicação criativa, dom de artes, dentre outros NÃO listados pela Escritura. E o que seriam estas atividades, então? Aí já é uma outra questão. hehe As artes são artes e a música é música e ponto final. Isso não quer dizer que não devem ser usadas pela igreja. Não foi isso que eu disse. Até porque a própria Bíblia nos estimula a isso em diversas passagens, mas em nenhum momento diz que a música é dom.


O "dom" e o "talento" no linguajar popular 

Falando agora do linguajar popular (e extra-bíblico), é importante destacar que costumamos nos referir a pessoas cuja prática de determinada atividade é considerada acima da média de "talentoso". Dizemos ainda que Fulano ou Beltrano "tem o dom". E isso acontece fortemente no que diz respeito às artes e, consequentemente, à música. Por essa ótica, o "dom" no "populês" significa um talento a mais que algumas pessoas especiais possuem (algo parecido com a concepção há pouco comentada), mas não necessariamente atribuída ao Espírito Santo ou a Deus. É bem verdade que mesmo aqueles que não professam a fé cristã, às vezes, atribuem, por exemplo, a prática musical à ação dos deuses, ações divinas em geral. O clássico exemplo grego das chamadas "Musas" (conforme pode ser visto no desenho da Disney, intitulado "Hércules") retrata bem isso. Mas, muitos outros não pensam em deuses ao falar da música, mas a entendem realmente como certo poder misterioso, conferido apenas a seres sublimes.

Entretanto, mesmo nesta concepção faço questão de reafirmar o que disse: música NÃO é dom. Não é meeeesmo. E o que quero dizer, então? Bom, longe de mim o querer definir o que é música, até porque acho impossível para quem quer que seja realizar uma definição satisfatória e conclusiva acerca desta arte maravilhosa que tão presente é em nossas vidas a ponto de eu ter criado este blog. hehe Definitivamente, não é este meu objetivo. Mas posso dizer, ao menos rapidamente, o que a música não é. E ela não é um dom, ao meu ver, mesmo na concepção popular. Sobre este assunto costumo sempre usar o seguinte exemplo: Neymar Jr, o jogador de futebol.

O aclamado craque brasileiro, chamado Neymar Jr., jogador do Barcelona e da Seleção Brasileira é, sem dúvida, considerado um ser especial, não é mesmo? Ele possui uma habilidade física, espacial e motora como poucos. Isto é fato, não é mesmo? Certa vez, vi o cientista Miguel Nicolelis falar da chamada "inteligência espacial" que este jogador possui e sua explicação é realmente fantástica. Mas vamos nos focar no que quero dizer. O referido jogador é extremamente talentoso, não acham? Sim, ele é. Ele tem muito mais facilidade que muita gente (inclusive eu hehe) no que diz respeito ao toque de bola. Ele realmente faz parte de um grupo diferenciado de seres humanos talentosos.  Mas, antes que me acusem de contradição, acredito que o grande problema é este entendimento sobre "talento". Não pretendo negar que pessoas diferentes possuem facilidades diferentes. Não mesmo. A teoria das múltiplas inteligências, apresentada por Howard Gardner, no livro "Frames of Mind", de 1983, já atesta esta verdade. Mas, voltando ao Neymar Jr., isso não significa que o ato de jogar futebol é algo destinado apenas e tão somente a ele. Isso, muito menos, significa que apenas ele e outros "super-humanos" podem jogar futebol". E assim, penso eu, também é na música.


A música como qualquer outra prática humana e sua relação com as pessoas da igreja

A música e as artes em geral são práticas humanas como quaisquer outras. E, por isso, assim como qualquer pessoa pode jogar futebol, andar de skate, andar de bicicleta, montar a cavalo, dançar e desenhar, qualquer um também pode cantar ou tocar um instrumento. SIM!!!! QUALQUER UM PODE FAZER MÚSICA!!!  Uns terão, é claro, mais facilidade que outros, mas todos podem cantar e/ou tocar! O próprio campo da Educação Musica já tem tratado disso nas últimas décadas. Recomendo, por exemplo, a leitura de um artigo, publicado na revista da ABEM (Associação Brasileira de Educação Musical), nº 10, intitulado "O músico: desconstruindo mitos" (o artigo pode ser encontrado gratuitamente no link: http://www.abemeducacaomusical.com.br/revista_abem/ed10/revista10_artigo13.pdf). E outros vários textos que direta ou indiretamente tratam do assunto, poderiam também ser sugeridos. O grande problema é que muita gente, incluindo os próprios músicos, pensam diferente e isso também na igreja. 

Este modo de pensar traz, inevitavelmente, algumas implicações negativas. A primeira delas é que o ambiente eclesiástico é tomado e invadido por esta crença de que alguns seres receberam uma dádiva especial (o que os torna mais especiais do que outros) que nem todos têm. E, assim, outros que até poderiam aprender a prática musical e/ou serem treinados nela são completamente excluídos (conforme dito ainda na introdução deste post) e eclesiasticamente marginalizados. E, assim, a igreja, que deveria ser um lugar de inclusão, ensino e edificação (afinal de contas, como vimos, pra isso servem os dons, não?) se torna um lugar no qual apenas uma elite religiosa e supostamente espiritual tem espaço para atuar. É claro que não quero dizer que se deve dar o microfone ao primeiro "desafinado" ou "cantor de banheiro" que apareça pedindo pra cantar na igreja, (NÃÃÃÃO!! rsrsrs) , sem que ele passe por uma devida e necessária preparação para isso. Temos, sim, que oferecer o nosso melhor ao Senhor e é por isso, por exemplo, que, mesmo aqueles que praticam música na igreja há muito tempo, também ensaiam, não é mesmo? 

É importante que haja um trabalho (uma escola, cursos ou coisas do tipo) que possibilite aqueles que desejam atuar na igreja por meio da música a busca pela capacitação e aperfeiçoamento. Não acho que devemos, simplesmente, excluir as pessoas. Conheço muita gente que, supostamente, tinha menos "talento" do que outros, mas que, pelo esforço e estudo, se tornaram músicos muito melhores que os "talentosos". Mas, se a igreja, infelizmente, não possui um trabalho que possibilite esta capacitação e aperfeiçoamento, ou seja, um trabalho que possibilite o estudo de música, é triste dizer, mas pessoas serão, sim, selecionadas e rejeitadas, né? E é por isso que vejo a música na igreja como devendo ser muito maior e mais priorizada do que é em muito lugar, mas isso já é outro assunto. hehe


Conclusões

Pudemos ver, então, que tanto no contexto bíblico quanto fora das Escrituras, a música não deve ser entendida como dom. A Bíblia não apresenta, em momento algum, a prática musical como um dom do Espírito Santo. A Educação Musical também não tem visto a prática musical, a despeito de toda a sua fama no linguajar popular, como fruto de um dom mágico ou místico. Não mesmo! Por isso, disse e repito: MÚSICA NÃO É DOM. É assim que penso e isso nunca foi segredo e será ainda menos a partir de então. hehe Se, portanto, a música não é dom, acredito que nossas atitudes em torno dela precisam mudar. 

É preciso compreender que a música deve estar acessível a todos, assim como quaisquer outras práticas, mesmo entendendo que, também como quaisquer outras atividades, encontraremos pessoas que terão mais facilidade e, assim, inevitavelmente se destacarão. Isto, contudo, jamais deve ser usado como motivo para que outros sejam desprezados e rejeitados. TODOS podem (e devem) ter acesso à música e é por tanto ser este o meu desejo que resolvi escrever este post. Espero, dentro do possível, ter sido suficientemente claro a esse respeito e, como de costume, me coloco à disposição para questionamentos, sugestões, "tesouradas" e outras coisas do tipo. hehe É só escrever aí embaixo (ou por email) que eu respondo.

Enfim, abraços a todos, muita música (PARA TODOS! hehe) e que Deus os abençoe!




Em Cristo,
M. Vinicius (Montanha)




Comentários

  1. Você é louco??? Quem disse que eu não concordo com você? Eu concordo com tudo que você falou, o que te disse uma vez é que não vejo problema algum se referirem ao talento ou a habilidade chamando de dom, por que dom virou uma expressão popular pra dizer que alguém tem uma habilidade muito grande em algo, especificamente na área das artes e do esporte é muito dito. é igual a palavra preconceito, que hoje todos usam pra expressar uma característica de alguém que não concorda com o ponto de vista dela, pouco se utiliza a palavra na sua essência. Acho que com certeza a música pode ser aprendida e luto por isso sempre, como já disse e você sabe minha opinião. Não entendo alguém trabalhar com musica e não estuda-la, ou mesmo trabalhar com musica na igreja e não procurar estudar de alguma forma pra saber o que está fazendo. mas da mesma forma que eu sei que musica se aprende, como tudo, acredito que tem certas coisa que não é pra qualquer um. Eu por mais que eu estudasse, me empenhasse eu não seria uma boa arquiteta, não tenho aptidão pra isso, por caracteristicas. então acredito que haja aptidão sim para todas as áreas. E também tem uma questão com a musica que não tem em outras áreas, que é a naturalidade do talento de algumas pessoas. conheço cantoras que nunca fizeram aula de canto, abrem a boca e cantam mais do que quem faz aula a vida toda, é incrível é viceral, dai esse é um dos casos que as pessoas falam: fulano tem o dom, pq é incrivel fazer o que faz sem ter aprendido, é nato, entende a diferença da musica pras outras profissões? tanto é diferente que as pessoas se ofendem com um simples comentário de eu Não achar que musico de igreja, nem outro tipo é musico, e ninguém se ofenderia se eu falasse que: não é por que fulano ouve o outro, da conselhos, ajuda ao amigo, que ele é psicólogo. Não adianta que ninguém encara a musica como profissão, pra todo mundo é dom e pronto, pra mim virou um peso, por que se você entende mais, dá uma opinião mais embasada, pelo simples fato de ter estudado aquilo a vida inteira, Não por que você é melhor que alguém, você é chato, metido e arrogante. Mas eu suuuuuuuper concordo contigo, até por que com a bíblia não se discute.

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  2. Falar que música não é um dom é porque você deve fazer parte dos caras que cantam desafinado e nem sabem cantar afinado. Tem pessoas que mesmo se colocar em Harvard pra estudar música ou canto , jamais vão atingir a afinação perfeita ou básica do ouvido . Essa afinação é habilidade é um dom dado por Deus. O Próprio Davi teve o dom da música e através da música ele tocava e os demônios saiam

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  3. Música é sim um DOM, um indivíduo que nasce sem uma coordenação rítmica natural não será capaz de obtê-la em momento nenhum da vida . Isso é um CONDIÇAO, e dos vários critérios que a música possui a arte de interpretar é única e exclusiva de quem possui esse dom . Já ouviu uma pessoa desafinada emocionar ou encartar alguém ?? Deixo claro aqui que as pessoas que não tem esse talento NÃO É INFERIOR A NINGUÉM, mas temos que admitir que essa habilidade não é treinável , vc pode sim aprender algo na música mas possuir aquela naturalidade e “ facilidade “ musical NÃO .

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